José Sarney

Parem! Parem! Parem!

 

O homo sapiens tem o DNA da violência. A teoria da evolução pode substituir, com sua história, a expressão “sobrevivência do mais forte”, por “sobrevivência do mais violento”. Assim sua luta pela sobrevivência nada mais foi do que uma luta de destruição dentro da própria espécie.

 

Esse processo está muito ligado à religião, na disputa pela hegemonia do seu Deus. O mundo evoluiu e julgávamos que esta fase pertencia ao passado. A atual guerra de Israel em Gaza mostra que o homem continua o mesmo. A incursão de um inimigo sobre o outro volta a mostrar os métodos mais cruéis e as motivações religiosas ainda presentes, embora com outro componente atual e forte, que ainda move a economia mundial: o petróleo. Essa mistura profunda que envolve passado, presente, visões do futuro levam a um caldo de cultura que nos faz presenciar uma gama de atrocidades, justificadas por essa barbaridade dos terroristas palestinos de levar um ataque a Israel, cujas reações e consequências eram certas e previstas.

 

Os atos terroristas cometidos pelo Hamas, hediondos e sem nenhuma justificativa militar, e todas as justificativas de vinganças, jamais podem ser admitidas. Israel tem todo o direito de se defender, mas não deve ser seduzido pela estúpida máxima do Velho Testamento de “olho por olho e dente por dente”, resistindo à barbárie do Hamas de dizimar populações civis, já sabendo que esse seria o instrumento único, já muitas vezes utilizado por Israel. A novidade para avançar no terreno da violência é o fato de que nesta guerra não se está respeitando nem as leis da guerra – pois as guerras têm leis – e estão praticando, os dois lados, aquilo que na linguagem popular se resume como o “vale tudo”.

 

Isso destrói os conceitos morais, as condutas ditadas pelos direitos humanos resumidos por Jefferson na Declaração de Independência americana, de 1776, que consagra sermos todos detentores destes direitos: “que os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de Direitos inalienáveis, entre os quais à Vida, à Liberdade e à busca da Felicidade.”

 

Acredito que noventa e nove por cento da Humanidade assiste revoltada às violações brutais que estão sendo cometidas no Oriente Médio. Não basta atender ao pedido do Papa Francisco: “Irmãos, parem! Parem!” Não basta a paz que todos desejamos, mas que o homem respeite as leis de Deus, os direitos humanos e pare de nos submeter diariamente à violência das imagens, pelos meios de comunicação, da crueldade que se pratica nesta guerra suicida e cruel. Que Deus tenha misericórdia da Humanidade e nos devolva os princípios morais e de convivência pacífica.

 

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“A amizade é um bem precioso”

 

A amizade é um bem precioso. Não é necessário que atinja o grau, como a de Michel de Montaigne e Étienne de La Boétie, em que nossas almas “se misturam e se confundem uma na outra”. Basta que estejam ligadas pelas circunstâncias da vida de uma maneira que “nossas almas conversem”.

 

Conheci Antônio Carlos quando eu era jovem e ele quase um menino. E logo nos entendemos pela semelhança de sentimentos em relação a valores caros a um e a outro:  à palavra escrita, ao Maranhão e a sua gente, aos grandes valores da Humanidade…

 

Esse acordo entre nosso universo intelectual foi se reforçando ao longo dos anos. Os tempos antes de nos conhecermos desapareceram para podermos dizer que éramos amigos da vida inteira. E se os seus foram muito curtos para o desfrute dos que ficamos, foram longos o bastante para podermos aproveitar sua inteligência viva e perspicaz, sua excelente memória, seu fino ouvido para a linha poética, seu excelente gosto literário, sua aguda sensibilidade social, sua generosidade permanente.

 

Como o outro Antônio, Antônio Gonçalves Dias, que amávamos em comum, era de baixa estatura. A um e outro isso permitiu mostrar que estavam muito acima dos preconceitos fáceis e que o que importa é a vida que se constrói. E a de ambos foi bem e solidamente construída.

 

A brusquidão de sua morte a torna talvez mais áspera e difícil de enfrentar. Mas no meu caso tenho uma lição da juventude, quando o golpe do arcanjo levou meu irmão: esperada ou inesperada, a dor da perda, se difere no raio que cai em dia claro, é chuva que nos irriga para sempre.

 

Com os anjos que me guardam, Antônio Carlos continuará a acompanhar meus dias e minha vida.

 

 

35 Anos de Constituição

 

O processo de reforma constitucional de 1988 iniciou-se com a longa discussão sobre as Constituições de 1967 e 1969, isto é, as duas Constituições outorgadas pelo regime militar. Independentemente de suas qualidades ou defeitos, estavam marcadas como ilegítimas. Era necessário, para a redemocratização do país, um novo marco institucional. Este postulado tomou forma como um dos pontos do “Compromisso com a Nação” assumido pela Aliança Democrática, que permitiu a vitória da oposição em 1985. Levado, por força da fatalidade, à Presidência da República, coube a mim convocar a Assembleia Nacional Constituinte. Em 28 de junho enviei ao Congresso Nacional Proposta de Emenda Constitucional dando aos parlamentares a serem eleitos em novembro de 1986 “poderes para elaborar e promulgar a nova lei fundamental e suprema do País”.

 

Criei, também, respeitando a vontade de Tancredo Neves, uma Comissão de Estudos Constitucionais para preparar um anteprojeto a ser encaminhado à Assembleia Constituinte. Para presidi-la Tancredo convidara Afonso Arinos de Melo Franco, o maior constitucionalista de sua geração, uma unanimidade nacional. Confirmá-lo foi para mim mais que uma obrigação política, um dever pessoal de quem nele tinha um amigo e um modelo.

 

Entregue em 1986, o trabalho da Comissão Afonso Arinos foi muito bom. É claro que não era, nem pretendia ser, perfeito. Ela optara pelo regime parlamentarista, e muitos veem nisso o motivo de minha decisão de não enviar seu anteprojeto à Assembleia Constituinte. Na realidade acredito que este é o melhor sistema de governo. Não remeti o trabalho à Constituinte porque seu presidente, Ulysses Guimarães, me pediu que não o fizesse. Ele me disse que o devolveria, um impasse que a frágil transição democrática não se podia permitir. Tive que atender a sua vontade.

 

Tendo convocado a Assembleia Constituinte de 1987, dei-lhe plenas condições de trabalhar em paz e liberdade. Foi a Constituinte mais livre do Brasil, sem peias e sem interferências, com medidas que tornavam o regime o mais democrático já vivido pelo país.

 

O trabalho da Constituinte, infelizmente, não caminhou bem. Para começar, o Congresso emendou o projeto de convocação, retirando a determinação de que a Constituição fosse promulgada no curso da primeira sessão legislativa, isto é, em 1987 — e acabou sendo a mais demorada de nossas Constituintes, estendendo-se por 20 meses. Criou-se um pretexto para lutas políticas com a discussão sobre a duração de meu mandato — que era, conforme o diploma expedido pelo TSE, de seis anos —, que tentei atalhar abrindo mão de um ano de mandato em maio de 87; mas essa discussão foi protelada até junho de 88. Pouco depois, na votação do 1º turno do projeto de Constituição, fiz um apelo para o seu reexame profundo. O projeto aprovado em primeiro turno colocava em xeque a governabilidade, ameaçava tornar o Brasil “o país do que poderia ter sido e não foi”. A Constituinte olhava o que devia ser “um instrumento de mobilização e de unidade do País” com a cabeça voltada para trás, olhos para o passado. Os interesses corporativos se instrumentalizavam em todo o texto constitucional.

 

Os riscos que eu via, não via sozinho. Afonso Arinos, que presidira a Comissão de Sistematização, disse, ao discursar na cerimônia de promulgação, que sua aplicação seria “extremamente duvidosa” e que “afirmar o contrário é ingenuidade, ilusão ou falta de sinceridade”. E mais: “Tudo decorre do desajustamento entre a generosidade da aspiração política e a dificuldade da sua implementação jurídica.”

 

Aprovada a Constituição, fui o primeiro a jurá-la. Lutei pelo seu êxito, não só durante o meu governo, mas ao longo destes 35 anos. No que se refere aos direitos sociais e civis, sempre a aplaudi, louvei e apoiei. Mas ela criou, na área da organização do Estado, um espaço de ingovernabilidade, por ser híbrida, ao oscilar entre o parlamentarismo e o presidencialismo, sem unidade.

 

Infelizmente, muito do que eu previ em junho de 1988 aconteceu. A carga tributária disparou. Os conflitos entre os Poderes são o pão cotidiano. As ações de inconstitucionalidade se acumulam no Supremo Tribunal Federal. O Poder Legislativo é sufocado pela competência legislativa do Poder Executivo, que carece de meios para governar, cerceado pelo Poder Judiciário. Este precisa se tornar também o Poder Moderador.

 

Dos problemas do texto constitucional é um sinal também o número de emendas que a ele se fizeram e a ele estão propostas. O Congresso Nacional já promulgou 131 emendas. Foram apresentados muitos milhares de projetos de emenda constitucional. Para termos uma referência, nossa Constituição mais duradoura, a de 1824, teve uma única emenda, o Ato Adicional.

 

Ao mesmo tempo a Constituição vem sofrendo — tendo como ápice a intentona de 8 de janeiro — o ataque sistemático a sua essência democrática. A pretexto de agendas morais — já Afonso Celso denunciara os falsos moralistas e seu efeito deletério —, cantou-se um canto de sereias às Forças Armadas e destruiu-se a credibilidade da política e dos políticos, formando um caldo de contínua chantagem sobre o Poder Executivo e o Poder Judiciário para submetê-los a pautas corporativas, gerando ingovernabilidade para justificar as Fake News dos assaltantes.

 

Os 35 anos da Constituição de 1988 devem ser motivo de reflexão e de ação. A Carta constitucional foi um passo imprescindível ao restabelecimento da democracia. Ao mesmo tempo é um desafio à governabilidade que se acentua com as transformações de nosso tempo. Ao transformá-la, precisamos evitar o risco de mais uma vez nos voltarmos para o passado: sem esquecer suas lições, devemos pensar no próximo século, nos próximos séculos, construindo instituições que sejam ao mesmo tempo estáveis e dinâmicas, que conciliem a inserção do Brasil no mundo com a realização plena do Estado de bem-estar social.

 

 

Dica cultural: Dom Quixote

 

Todos os domingos, a partir deste mês, o site A Página do Sarney vai trazer uma indicação cultural. A proposta é contribuir e incentivar o gosto pelas artes das novas gerações.

 

A iniciativa está em consonância com a vontade de José Sarney, escritor premiado e um entusiasta na divulgação da leitura e cultura em geral para ser aproveitada pelas próximas gerações.

 

Leia aqui como foi o encontro de José Sarney com estudantes em palestra na Academia Maranhense Letras

 

A primeira indicação é um clássico da literatura mundial, considerado um dos livros preferidos de José Sarney: Dom Quixote de La Mancha (EL Ingenioso Hidalgo don Quijote de la Mancha), do escritor espanhol Miguel de Cervantes (foto acima).

 

“Uma obra genial. A maior obra da literatura já escrita”, diz José Sarney, autor de obras premiadas e elogiadas mundial como Saraminda e O Dono do Mar, entre outras.

 

O clássico da literatura foi publicado em duas partes: a primeira em 1605 e a segunda somente dez anos depois, em 1615. Pelos estudiosos em literatura é apontado como o primeiro romance moderno, influenciando várias gerações de autores, inspirando poemas, pinturas e servindo como base para adaptação para diversos filmes.

 

Dividida em 126 capítulos, a obra traz Dom Quixote, um homem que, após se sentir inspirado por muitos romances de cavalaria, decide tornar-se um cavaleiro andante, lutar por justiça e proteger os oprimidos, além de provar seu amor por Dulcineia de Toboso, presença feminina perfeita que só existe na sua imaginação.

 

Com seu fiel escudeiro, Sancho Pança, o herói sai em sua jornada que mistura fantasia e realidade, transformando pequenos obstáculos em gigantes e exércitos de inimigos como sua luta contra os moinhos de vento.

 

Dom Quixote é um homem comum, com suas mazelas, insucessos e inseguranças. Essas características o diferem dos heróis clássicos, por isso é considerado, pelos estudiosos da literatura, um herói moderno.

 

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Pegando fogo

 

A marchinha de Francisco Mattoso lança o grito que nos últimos dias está na pele de todos: “Meu coração amanheceu / Pegando fogo, fogo, fogo!” Coração e braços e pernas estão assando com o caloraço de setembro. Nada da morena que passou perto: foram os recordes de temperatura que nos deixaram assim.

Nós aqui no Maranhão até que escapamos das temperaturas quarentenárias e não precisamos entrar em quarentena, mas no Sul Maravilha a coisa foi feia. Felizmente nós somos um povo que é antes de tudo um forte e não tivemos a mortandade que as canículas deste século têm feito no hemisfério norte, sobretudo entre os velhinhos como eu. Lá, quando a maré de caldo quente vem chegando, eles precisam começar as campanhas: “fique em casa”, “hidratação de hora em hora”, “feche bem a casa”.

Feche a casa? Pois é. Na Europa eles descobriram que as casas, bem isoladas para manter-se aquecidas no inverno, funcionam no verão para não deixar entrar o calor. Aqui nessa nossa cidade de São Luís temos felizmente os ventos alísios passando pelas casas de pé direito alto e ventilação cruzada, solução equatorial que nos deixaram os construtores portugueses.

Mas de onde vem este fogo infernal? Hoje não há dúvida de que das mudanças climáticas provocadas pelo homem. Aqui no Brasil não temos, infelizmente, dado a contribuição que devíamos. Continuamos desmatando e tocando fogo, a passos largos, na Amazônia, no Cerrado, até na Mata Atlântica — na minúscula fração da Mata Atlântica que ainda está de pé. É claro que o centro do problema está na Floresta Amazônica, que é tão generosa e acolhedora para o homem e que ele teima em destruir.

No começo do século passado ficou muito conhecido um livro — aliás o nome de um livro — de Alberto Rangel. Era um escritor empolado e difícil de ler, mas o nome colou e virou um apelido injusto. Aliás o conto que dá nome ao livro fala de um engenheiro que invectiva a floresta, que, na voz de Rangel, “poderia responder”:

“Fui um Paraíso. Para a raça íncola nenhuma pátria melhor, mais farta e benfazeja. Por mim as tribos erravam no sublime desabafo dos instintos de conservação… Inferno verde do explorador moderno, vândalo inquieto… alma ansiada de paixão por dominar a terra virgem que barbaramente violenta. Eu resisto à violência dos estupradores…”

O livro foi prefaciado pelo extraordinário Euclides da Cunha. E se a visão de Rangel é a oposta do “inferno verde”, a explicação de Euclides tem o toque do livro inacabado, “O Paraíso Perdido”. “Daí as surpresas. […] as mudanças extraordinárias e visíveis ressaltam no simples jogo das forças físicas mais comuns. É a terra moça, a terra infante, a terra em ser, a terra que ainda está crescendo…” Seu plano era falar do impacto, da dificuldade de apreender, compreender a floresta. “…o que se me abria às vistas desatadas naquele excesso de céus por cima de um excesso de águas [,] lembrava (ainda incompleta e escrevendo-se maravilhosamente) uma página inédita e contemporânea do Gênese.”

Mas a nossa visão contemporânea, para nós que podemos ver a floresta de avião ou mesmo do espaço, ainda é muitas vezes de incompreensão. Mesmo quando se vê as imagens com sensores que veem através do dossel das grandes árvores e se vê a devastação, há uma resistência em compreendermos a finitude que também a alcança. E aí se toca fogo. E nossa floresta está pegando fogo, causa e resultado das mudanças climáticas.

A coisa é difícil. Assim vamos ficar na situação de outra marchinha, essa de Haroldo Lobo e Nassara: “Allah-la-ô ô ô ô ô / Mas que calor ô ô ô ô / Atravessamos o deserto de Saara / O sol estava quente / Queimou a nossa cara / Allah-la-ô, ô ô ô ô ô ô / Mas que calor, ô ô ô ô ô ô…”

 

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Nomes que clamam aos céus

 

Ester de Assis   Oliveira, 9 anos; Maria Eduarda Martins, 9 anos; Lohan Samuel, 11 anos; Djalma de Azevedo Clemente, 11 anos; Eloah Passos, 5 anos; Rafaelly da Rocha Vieira, 10 anos; Juan Davi de Souza Faria, 11 anos; Heloísa dos Santos Silva, 3 anos: cada uma dessas crianças foi morta à bala no Rio de Janeiro!!!! São nomes que clamam aos céus contra o estado de barbárie em que vivemos, registros da saudade que não passa sentida por suas famílias.

 

Antigamente quando uma criança morria era — o sentido ainda está dicionarizado — chamada de anjinho. É uma boa palavra, pois marca a inocência que levou a História da arte a identificar como puttini — menininho, do latim e do italiano — as figuras rechonchudas de anjos que começaram a encher a arte durante o renascimento.

 

Digo que os nomes clamam, pois os anjinhos já estão no céu, mas suas famílias vivem em terra o inferno, não só da perda irrecuperável como da ameaça permanente de represálias, como se elas, vítimas da mais cruel das perdas, que é a dos filhos, fossem riscos para os assassinos, que correm todos impunes, quando muito nominalmente respondendo em liberdade pelo crime de terem matado — eliminado irrevogavelmente o futuro, os sonhos, os carinhos — alguém que não podia ser, por uma obviedade que não precisa ser lembrada, mas deve ser lembrada, culpado. Claro que, se fosse culpado, também não podia ser morto: mas como a pena de morte, apesar da vedação constitucional e da falta de sentença judicial, em nosso País a todo e cada dia ela é executada em 18 pessoas, nem falemos disso. Anjinhos duplamente inocentes foram mortos, e seus assassinos andam por aí intimidando testemunhas, a começar pelas vítimas sobreviventes, que são a família e os amigos.

 

Ia Heloísa com seus pais pelo caminho em que estava uma “viatura” da Polícia Rodoviária Federal. O pai hesitou se devia parar ou não e acabou ligando o pisca-pisca para encostar o carro. Foi uma “atitude suspeita” e lhes mandaram umas balas, duas das quais atingiram Heloísa.

 

Eloah estava em casa brincando. Uma “ação policial” foi feita na vizinhança em que morava. As balas pipocaram. A avó, na casa ao lado, correu para abrigá-la, mas quando chegou sua filha a tinha nos braços — mater dolorosa —, a ferida irrevogável correndo da chaga no lado.

 

Djalma e outras crianças iam para a escola, ele ao lado da mãe. Uma “troca de tiros” começou, não houve tempo para procurar abrigo: entre os corpos feridos estava, sem vida, o do sacrificado.

 

Lohan, este, não se sabe como morreu. Ele e uma vizinha, de 19 anos, moravam no lugar errado e foram atingidos pelas balas certeiras que lhes tiraram a vida.

 

Ester voltava da escola, parou para comer um pedaço de bolo. Ela e um rapaz de 19 anos estavam no lugar em que começou uma “troca de tiros”. Caíram por balas matados.

 

Maria Eduarda, à noite, via a dispersão de um bloco de carnaval. De repente voou bala para todo lado. Ela e mais vinte pessoas foram atingidas. Não viu o esvair da alegria, levou-a a dança da morte.

 

Rafaelly brincava com outros anjos. Era noitinha. De repente passaram carros atirando. Uma bala de fuzil acabou com a brincadeira e enviou-a para brincar no Céu.

 

Juan estava na varanda de casa enquanto o mundo festejava a passagem do Ano Velho para o Ano Novo. Papocavam os fogos de artifício. Mas o barulho que o atingiu era de tiro. Nunca mais ele verá um novo ano.

 

Diz o Padre Vieira que andam misturados os bens e os males, num permanente antagonismo que faz parte da natureza, céu e nuvem, sol e sombra. Esse dualismo se estende às peças do próprio tempo, mas espaçadas: o verão e o inverno, a noite e o dia. “Mas para haver mal, e bem, basta um só momento!”

 

O bem da vida concedido a estas crianças inocentes existia ao mesmo tempo que as balas que o mal destino distribui aos milhões em nosso País. Só podemos pedir a Deus que ouça o clamor desses nomes e as lágrimas dos que ficam e permita que as crianças possam viver sempre o seu futuro.

 

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Fundação da Memória Republicana e os registros do Brasil

Documentos, livros, obras de arte, registros audiovisuais, objetos raros. Esses são alguns itens que fazem parte do acervo doado por José Sarney à Fundação da Memória Republicana, instalada no Convento das Mercês, localizado no bairro Desterro em São Luís. Os bens correspondem ao período em que ele exerceu a Presidência da República, de 1985 a 1990 e, também, peças e documentos que juntara ao longo da vida, até mesmo antes da Presidência. Esse é o único acervo presidencial que se encontra abrigado na região Nordeste do país.

Localizada no prédio construído em 1654 e tombado como Patrimônio Histórico Nacional, a Fundação da Memória Republicana abriga um rico material museológico que leva o visitante a um passeio por um contexto social e político importante da nossa história recente.

Constituição de 1988, um dos documentos mais importantes da nossa Democracia (Foto: Divulgação)

Dos bens doados por José Sarney, os números impressionam: o acervo é composto por cerca de 1 mil documentos que testemunham o dia a dia do então presidente, agendas, viagens, cartas, acordos diplomáticos, mensagens ao congresso, cartas de populares, planos econômicos, projetos e todo o processo de formulação, convocação e execução da Assembleia Nacional Constituinte que resultou na promulgação da carta política de 1988, nossa constituição cidadã, um dos documentos mais importantes da nossa democracia.

Documentos contam parte importante da trajetória do país (Foto Divulgação)

Entre os documentos, há também 50 mil fotografias, 329 fitas de vídeo e 478 fitas VHS que testemunham esse período.

São aproximadamente 5 mil itens: medalhas, condecorações, diplomas, telas, esculturas e obras de arte em geral, oferecidas por chefes de estado de todo o mundo ao então presidente José Sarney em deferência à legitimidade democrática por ele restabelecida no país e ao povo brasileiro.

A Fundação conta ainda com uma biblioteca com 24.624 livros, dentre os quais 3.092 são obras raras. Todos estes doados ao Estado do Maranhão por José Sarney. Essa vasta documentação compõe o acervo que está sendo digitalizado para proporcionar melhor acesso ao público em geral por meio das plataformas digitais. A meta é que esse projeto seja concluído até o final de 2024.

Presentes presidenciais integram a exposição permanente (Foto: Divulgação)

Vontade

Para José Sarney “o acervo textual é o pulmão de todo acervo”, pois, expressam a dinâmica histórica da construção da democracia brasileira, com seus desafios, idas e vindas e obstinada motivação para restabelecer os valores da democracia, direitos e liberdades individuais e coletivas no Brasil.

O desejo de José Sarney ao guardar e, posteriormente, doar ao Maranhão o acervo presidencial foi de constituir um verdadeiro centro de pesquisa sobre a redemocratização do País oferecendo fontes históricas primárias que possibilitem ao pesquisador mergulhar mais profundamente no contexto social, político e econômico no qual se deu a redemocratização.

Para ele, o conhecimento da História liberta, abre perspectivas e projeta para o futuro, pois não seria possível compreender o Brasil de hoje sem considerar a transição democrática, engenhosamente conduzida pelas mãos do maranhense José Sarney, que, exercendo o cargo de Presidente da República conduziu o país, alicerçando o caminho da democracia que usufruímos hoje.

Obras raras integram a lista de doações (Foto: Divulgação)

Pesquisa

A consulta ao acervo pode ser realizada de forma física na sede da Fundação após agendamento e solicitação via e-mail: fmrb_agpesquisa@fmrb.ma.gov.br.

Em relação ao acervo museográfico, as peças estão expostas no Museu da Fundação da Memória Republicana Brasileira localizado no Convento das Mercês (Desterro). A exposição permanente conta com 30% dos itens, os demais estão acondicionados em reserva técnica, podendo ser vistos mediante agendamento prévio. O acervo documental, bibliográfico e audiovisual pode ser consultado através de agendamento via e-mail: fmrb_agpesquisa@fmrb.ma.gov.br.

Saiba mais

A visitação acontece de terça a sexta das 08h às 17h, aos sábados das 09h às 17h e aos domingos das 09 h às 13h. A entrada é gratuita.

O Museu foi destaque recentemente em reportagem especial no Portal ImiranteLeia aqui!

Obras de arte presenteadas ao então Presidente da República, José Sarney estão disponíveis para visitação no Maranhão (Foto: Divulgação)

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José Sarney prepara novo livro

O contexto da política nacional sob o olhar de quem participou de um momento histórico do Brasil: José Sarney, o presidente que conduziu a retomada do país para a Democracia, após 20 anos do Governo Militar.

Essa é a tônica de O Brasil no seu labirinto, próxima obra de autoria de José Sarney que será lançada no primeiro semestre de 2024. A produção não é um romance, sim uma análise minuciosa sobre os caminhos e movimentações da política recente do país, a partir do olhar atento de Sarney. “O livro já está na metade. São as minhas impressões sobre a política atual, um pouco do que eu acho da História recente do país”, disse.

Reedição

Além do livro inédito preparado para 2024, outra obra importante da carreira literária de José Sarney deve ganhar uma nova edição. Trata-se de Norte das Águas, cuja primeira edição foi publicada em 1970, e traz o Maranhão profundo como inspiração, com suas regionalidades, contextos sociais.

A obra, que chegará em sua 17ª edição, foi considerada um marco literário e recebeu críticas positivas de nomes como Léo Gilson Ribeiro, Antônio Carlos Villaça, Josué Montello, Lago Burnett, Lucy Teixeira e João Mohana. Esses textos estão disponíveis aqui.

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Ainda uma vez São Luís

 

Perdi a conta do número de vezes em que falei da cidade que formou a minha vida: esta velha e jovem São Luís, que fez aniversário na sexta-feira passada.

 

Minha paixão por São Luís começou quando aqui desembarquei vindo de São Bento no barco de mestre Braulino, o “Filha de São Bento”. Eu tinha doze anos. De longe, ao anoitecer, vi as luzes da cidade. Era clara e bela. Desembarquei na impressão da multiplicidade das coisas: carroças, malas, sacos, cofos, gentes. E do bonde elétrico. Nunca tinha visto um sobrado, ruas estreitas, ladeiras levando o casario para cima e para baixo, o brilho dos azulejos, as nuvens carregadas de anjos que deslizam no céu e são levados pelos ventos alísios. Saudade dos invernos de minha infância, a água desabando nos beirais e correndo nas sarjetas, entrando pelas janelas com o vento, a cidade molhada.

 

Mesmo estando aqui em São Luís a saudade não passa. Aqui morei na rua da Cruz, na rua da Madre Deus, acolhido pelas mãos generosas de Dona Sérgia e Dona Lídia. Sempre me vejo andando pelas ruas da cidade velha, da Estrela, dos Afogados, da Alegria, do Alecrim, numa peregrinação de amor.

 

Esta cidade foi também para o moço Antônio Gonçalves Dias o local em que viveu seus únicos dias de intensa e real felicidade: os dias de fevereiro a junho de 1846 em que viveu na casa de Teófilo — e encontrou “seus olhos tão negros, tão belos, tão puros” —, e os dias de abril a julho e de outubro a novembro de 1851 em que teve “o coração em riso e festa” ao lado de Ana Amélia. O resto de sua vida, antes e depois, foi uma longa saudade. Quando, em maio de 1855, sofrem o choque do reencontro, antevê: “Negou-me o fado inimigo / Passar a vida contigo, / Ter sepultura entre os meus…”

 

Eu pertenço à geração que mais amou São Luís. Todos lhe fizemos versos de uma paixão de adolescente, forte e extasiante. Ferreira Gullar no exílio de suas infâncias. Tribuzzi deixou versos que hoje são o seu hino, ouvindo os “tambores negros do Congo” e “o sol da liberdade”. José Chagas, este se derreteu todo e com ela criou uma cumplicidade de belos poemas. Lago Burnett fez sonetos admiráveis. Carlos Madeira, Belo Parga, Ivan e Evandro Sarney, Lilia Reis, Stella Leonardos, Martins de Alvarez, Nauro Machado e Correia da Silva, João do Vale, na picardia de suas cantigas, todos fomos seus amantes.

 

São Luís é poesia e cravo. Poesia do nosso chão, cravo perfumado do nosso amor. Um lençol de telhas cobertas de musgo e do tempo cobre o casario que se derrama numa ondulação suave, em ladeiras e cocurutos. Corre um vento azul que vem da África com cheiro de maresia e sal. Passam fantasmas, fontes, sacadas de ferro, calçadas de cantaria. Ouço o silêncio da noite nas lendas de assombração e das mulheres que saem do mar, junto com d. Sebastião, que se encantou nas praias do Maranhão e, nas noites de sexta-feira, transforma areia em esmeraldas e vira touro solitário correndo no mar em busca das terras de Portugal.

 

Minha São Luís, minha terra, minha paixão!

 

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Laurentino Gomes visita José Sarney

 

De passagem por São Luís, o aclamado escritor Laurentino Gomes fez uma visita de cortesia ao ex-presidente e escritor José Sarney.

 

No encontro regado a temas literários, Gomes lembrou que citou um episódio envolvendo José Sarney no seu livro 1822, ao contar a história de Lorde Cochrane.

 

Gomes teria ficado sabendo por meio de Elio Gaspari que José Sarney, em visita oficial à Abadia de Westminster, em Londres, teria disfarçadamente pisado em sua lápide, a quem o chamou de “corsário”. Esse causo foi mencionado no livro e, anos mais tarde, confirmado por José Sarney.

 

Laurentino Gomes (1956) é um escritor e jornalista brasileiro. É o autor do livro “1808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”. No livro, o escritor faz uma síntese histórica da chegada da corte portuguesa ao Brasil. É também autor da trilogia “Escravidão”.

 

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