José Sarney
Um Menino chamado Jesus
O que é o Natal? Hoje, uma festa de confraternização universal, momento da fraternidade, a farra da mídia e do consumismo. Passamos mais um. Deus nos deu a graça da vida para abraçar amigos, reunir a família e, com o mundo globalizado, usufruir de uma alegria universal padronizada, entre o velho Papai Noel e luzes, fogos, festas.
Há um esquecimento quase total do verdadeiro simbolismo do Natal, uma data essencialmente religiosa. É o fundamento do Cristianismo. É a certeza de que o Deus de todas as coisas, que criou este planeta azul e o homem à sua semelhança, quis que não ficássemos sós na face da Terra, que tivéssemos a visão de que algo de transcendental existe em nossas vidas. Para isso, mandou que Cristo assumisse a condição humana e habitasse conosco este pequeno espaço, na vastidão do universo.
Ele chegou. É essa chegada o Natal. É o sinal anunciado pelos profetas. Cristo nos ensinou regras de ouro. Trouxe uma mensagem e uma conduta de vida. “Todos somos irmãos”, criados por Deus, presos entre a vida e a morte. Deu-nos outra regra que é a síntese de todos os compêndios de conduta ética: “Não faças aos outros aquilo que não queres que te façam.” E ainda: “Amai-vos uns aos outros.”
Eu ainda vivi, menino, no interior do Maranhão, entre luzes de candeeiros e velas de devoção, o Natal bíblico. Todos reunidos à meia-noite, rezando, meu avô de bíblia na mão, lendo os textos sagrados anunciando a vinda do Salvador. A Missa do Galo, numa pequena igreja, onde todos se conheciam, ouvindo aquele sino pobre e solitário, na escuridão da praça, sem outras luzes senão as das estrelas. Esperando acordar no outro dia e encontrar, debaixo da rede, o presente de Papai Noel. Um tambor artesanal de lata, pintado, vendido pelo funileiro da cidade. Um cavalo de madeira tosca feito pelo santeiro escultor, pintado de azul, com bolas brancas.
Vejo os brinquedos eletrônicos de hoje. A maravilha dos monstros dinossauros que as crianças adoram. Mas nada mais belo, ninguém mais feliz do que nós, meninos dos tempos dos tambores de lata e barquinhos de buriti.
Depois, é a marcha da Eternidade. Uma geração de tantas transformações. A pergunta de Machado de Assis é quase lugar-comum, tantas vezes citada, mas é pertinente: “Mudou o Natal ou mudei eu?” Mudou o Natal. O homem não mudou. Continua sendo aquilo que Irven Devore dizia: um caçador. Outrora, atrás da presa, hoje caçando sonhos.
Caçar sonhos é uma grande proposta nestes dias de festa, depois de Natal e fim de ano. Ver um Brasil sem desemprego, sem miséria, sem pobreza, sem violência. Um país unido, numa conduta cristã, a ética de uma vida em que o homem não seja o lobo do homem.
É possível? Tudo pode acontecer em nossa imaginação, no poder da esperança. E quem quiser ter esperança venha a São Luís e acompanhe a “Natalina da Paixão”, cantando: “Vem, Jesus Cristinho, / vem, Jesus Menino”.
E Ele vem.
Ninguém se perde no caminho da volta
O título deste artigo é uma frase que se tornou célebre na década de 50, do meu antecessor na Cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras, que ocupo, José Américo de Almeida, grande romancista do Nordeste, autor de “A Bagaceira”, livro que foi uma marca no conjunto de escritores da região, um dos “búfalos” que Oswald de Andrade disse que invadiram a Semana de Arte Moderna de 22, abafando-a na importância que passaram a ter na história da literatura brasileira.
José Américo foi também candidato a presidente da República para as eleições de 1938, que não ocorreram devido ao golpe de Getúlio Vargas, em 1937, que resultou no período do Estado Novo.
Mas não é dessa volta que falo. É da minha volta a escrever para os Diários Associados. No fim da década de 50, com 17 anos de idade, começara minha vida profissional como repórter de setor policial, como todos começavam em jornal, no caso, em “O Imparcial”, dirigido pelo meu querido amigo José Pires de Saboia, então o maior jornal do Maranhão, pertencente a Chateaubriand. O velho jornalista brincava comigo, toda vez que me encontrava, dizendo que eu entrara em sua empresa por concurso, uma vez que fizera uma reportagem para uma competição aberta por “O Imparcial” e obtivera o 1º lugar com uma matéria sobre a Quinta do Barão de Bagé, num subúrbio de S. Luís.
Este ano, 2024, os Diários Associados comemoram 100 anos. E eu, que comecei a carreira de jornalista num dos seus jornais, aos 17 anos, volto a escrever em outro jornal dos Diários Associados, nos meus 94 anos de idade, publicando às sextas-feiras o artigo que vinha escrevendo no meu site, que era transcrito em muitos outros do Brasil. Espero não me perder neste caminho de volta. Estou feliz.
Quando eu me elegi deputado, Chateaubriand me disse, ao nos encontrarmos no aeroporto da Bahia, onde nossos aviões se cruzaram: “Olhe, Sarney, diga ao Saboia para não dar baixa em sua carteira no jornal. Daqui a pouco eles fecham essa Câmara e você vai voltar a ser meu empregado.”
Esta não foi a única ordem que Chateaubriand deu ao Saboia sobre mim. Quando Saboia ainda era simplesmente diretor de “O Imparcial” e não o grande líder do Condomínio dos Diários Associados e fui candidato a governador, Chateaubriand passou um telegrama ao seu diretor, dizendo: “Coloque nossos jornais serviço campanha Sarney”.
Não voltei a ser empregado de Chateaubriand e agora não sou mais nada. E o jornalista Josemar Gimenez, atual Presidente do Condomínio dos Diários Associados, certamente não vai colocar um velho desempregado no olho da rua.
José Sarney é homenageado com a Medalha “Celso Magalhães”
José Sarney, Presidente da República (1985–1990), recebeu na noite da última quarta-feira (11) a Medalha do Mérito do Ministério Público “Celso Magalhães”, uma honraria que reconhece personalidades por suas valorosas e relevantes contribuições ao fortalecimento da instituição.
A cerimônia também marcou a abertura do 14º Congresso Estadual do Ministério Público do Maranhão. A solenidade foi presidida pelo procurador-geral de justiça, Danilo de Castro e contou com a participação de membros e servidores do MPMA, autoridades dos três poderes, defensores públicos, advogados, policiais civis e militares, estudantes e convidados.
Durante o 14 º Congresso Estadual do MPMA, ocorreu a cerimônia de entrega da Medalha do Mérito do Ministério Público “Celso Magalhães”, concedida pelo Colégio de Procuradores de Justiça. Na ocasião, três homenageados receberam a comenda.
O desembargador Raimundo José Barros de Sousa recebeu a medalha do procurador-geral de justiça, Danilo de Castro, e do procurador de justiça Francisco das Chagas Barros de Sousa, irmão do homenageado. Já o procurador-geral de justiça do Ministério Público da Bahia, Pedro Maia Souza Marques, recebeu a honraria das mãos do procurador-geral de justiça e da corregedora-geral do MPMA, Maria de Fátima Rodrigues Travassos Cordeiro.
Coube a Danilo de Castro e ao procurador de justiça Eduardo Nicolau a entrega da comenda ao ex-presidente José Sarney. Falando em nome dos homenageados, o presidente da República no período de 1985 a 1990 saudou os presentes e congratulou o Ministério Público do Maranhão pelo evento, que “agrega conhecimentos com o alto nível dos palestrantes convidados”.
José Sarney lembrou que o Ministério Público do Maranhão é parte importante de sua vida, pois seu pai foi promotor de justiça por 28 anos, percorrendo boa parte do estado do Maranhão. Citando muitas das comarcas ocupadas por seu pai, ele afirmou que “essa ‘peregrinação’ ajudou em minha formação, ao me permitir conhecer a realidade de todo o estado”.
José Sarney também lembrou das dificuldades enfrentadas à época pelos membros da instituição para o exercício de seu trabalho e de como isso o levou a buscar valorizar o Ministério Público nos cargos políticos que exerceu. De acordo com Sarney, um de seus primeiros atos como governador foi igualar o vencimento de promotores de justiça ao de magistrados, sendo o Maranhão o primeiro estado brasileiro a alcançar essa paridade.
Como presidente da República, ele destacou a elaboração da Lei da Ação Civil Pública “que veio antes da Constituição de 1988 e deu força ao Ministério Público, recolocando as suas atribuições na defesa da sociedade”. José Sarney enalteceu, ainda, a figura de Sepúlveda Pertence na construção do papel do Ministério Público a partir da Carta Magna de 1988.
Medalha Celso Magalhães
José Sarney celebrou a escolha, por parte do Ministério Público do Maranhão, do nome da Medalha do Mérito ser Celso Magalhães, considerado por ele um grande defensor da sociedade e um homem de coragem.
José Sarney lembrou que atuou como oficial judiciário do Tribunal de Justiça do Maranhão e, em dado momento, houve uma ordem para que fossem descartados todos os processos com mais de 50 anos arquivados. Em meio àqueles papéis, ele encontrou o Processo da Baronesa de Grajaú, que foi entregue a Josué Montello e serviu de base para a obra “Os tambores de São Luís”, “o melhor livro de Josué Montello, baseado na bravura de um membro do Ministério Público”, comentou.
Ao encerrar sua fala, Sarney reforçou novamente a sua ligação com o MPMA, reafirmando que sempre ajudou e sempre estará na linha de frente para defender a instituição.
Natal com barbas de frade
Já entramos no Advento e começamos a ouvir os sinos do Natal — para mim uma festa de alegrias contidas, com o saibo das ausências —, e a minha memória me convida a pensar em Frei Agostinho, a quem ouvia todo domingo, assistindo à sua missa na pequena e modesta Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Lá encontrávamos sempre dezenas de pedintes e pobres que eram de sua assistência. O IPHAN e a Fundação Municipal de Patrimônio Histórico, sob o comando caridoso de Kátia Bogéa — essa brilhante mulher que fez a restauração de muitos monumentos históricos do Maranhão e continua nesse amor maior construindo o Museu Nacional do Azulejo, no belo prédio de 200 anos chamado Solar dos Tarquínios —, recuperaram a igreja, que teve o seu altar-mor todo restaurado. Ali está guardada a mais bela imagem de São Benedito.
Agora meu pensamento, ao ouvir os sinos do Natal, me leva a Frei Agostinho, que rezava a missa já com intimidade com Deus, o que lhe fazia erguer lentamente a hóstia e o cálice durante a Eucaristia. Era um franciscano entre a vida e o Eterno.
Nascera às margens do Lago de Como, de onde saiu para o Maranhão, nos anos 1920, na missão de evangelizar. Caminho igual ao dos capuchinhos mandados por Maria de Médicis, 300 anos antes, para converter os índios, afastá-los do Diabo, que foram os primeiros pregadores na Amazônia.
Frei Agostinho parecia um deles, queimando suas bondades — como dizia Caminha — para afastar o Demônio e o pecado. Atravessou o tempo, assistiu ao Concílio Vaticano II e não abandonou suas sandálias de couro, sua batina de brim marrom com cordão de corda branca, seu crucifixo de madeira, sua barba longa e branca, mais pobre e sofrido que as cabras.
Durante oitenta anos, catequizou e converteu almas. Construiu muitas igrejas, em torno das quais as cidades nasceram, a maior delas em Imperatriz, no tempo em que a vila era apenas um pouso.
Frei Agostinho despiu-se de pátria e família por amor a São Francisco e a Deus. A voz mansa, os olhos já fundos eram como poços sem água, onde as lágrimas, pelo tempo, secaram.
Era um frade simples, sem misticismo, sem apelações. Foi envelhecendo, suas missas já eram cansadas e sua voz vinha lenta. Mas, de repente, de seus lábios brotavam os movimentos, como falavam os profetas. Com grande firmeza, descobria no Evangelho argumentos, ensinamentos, conclusões. A missão da Igreja era anunciar a Vida Eterna. Nada da Igreja da Libertação. Sua Igreja era a igreja da oração. Saíamos de sua missa invadidos de Paz.
Seu corpo acabou. Caiu, sua coluna sofreu, dobrou-se no sofrimento. Sem poder mais ser o apóstolo das selvas, foi recolhido ao Convento do Carmo, em São Luís, só com sua dor e as lembranças de missionário. Deram-lhe como tarefa ser o confessor da velha Igreja do Carmo.
Dona Cotinha fora encarregada de buscar Frei Agostinho para, aos domingos, celebrar a missa dos pobres na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, igreja pequena, feita por doação de escravos. Pobre, sem ouro, prata ou talha. Despojada, paredes brancas e lisas. Frei Agostinho vinha curvado, arrastando os pés, trôpego, com os olhos de dor. Recebia apenas uma pequena espórtula. Uns pobres meninos de rua o derrubam para roubar. Aumentam seus sofrimentos. Um irmão manda buscá-lo para morrer na Itália. Frei Agostinho embarca, apoiado em sua bengala, cercado das lágrimas e dos fiéis que lhe queriam bem. Afirma: “Viajo amargurado. Minha morte será mais sofrida. Queria ficar no Maranhão.”
Lembro-me de quando estávamos preparando a Festa do Natal e, durante a missa, o celebrante, o reitor do Convento do Carmo, anunciou:
— Quero dizer aos fiéis que Frei Agostinho, pelo milagre da saudade, está melhor e quer voltar ao Maranhão. Chegará no dia 8 de janeiro!
Nossos sinos do Natal ainda têm o som das barbas desse frade missionário que renova o milagre da ressurreição na sua volta para ficar conosco na terra do seu amor e do seu sofrimento.
Como o Padre Vieira, que tanto castigou com sua palavra de fogo o Maranhão, quando lhe perguntaram onde queria morrer, respondeu:
— No Maranhão!
Uma COP que caiu no poço
Uma longa e prolongada salva de palmas explodiu quando o Presidente da COP29 anunciou que tinham chegado a um acordo: 300 bilhões de dólares dos países ricos para financiar medidas destinadas a combater e limitar o aumento do clima no mundo. Mas logo em seguida levantou-se um dos delegados — eram três horas da manhã — e disse: “Estes aplausos não são para este vergonhoso acordo, mas sim porque o Sr. Presidente anunciou que está encerrada esta fracassada Conferência.”
Nesse momento repetiram-se os aplausos. Os delegados, exaustos, dormiam por todos os lados, uns em sofás amassados, outros no chão em grossos tapetes.
Uma coisa muito difícil é o êxito dessas conferências. Esta, a COP29, dias antes do fracasso, transferiu a solução dos financiamentos dos países em desenvolvimento para a próxima Conferência, já convocada para Belém, que tem a sedução chamativa de ser localizada na cidade que fica na foz do Rio Amazonas, com toda a sua grandeza, suas lendas e seus mistérios.
A primeira reunião promovida pelas Nações Unidas em busca de um pacto global para enfrentar o problema do Meio Ambiente e o despertar do mundo para a destruição da natureza e a liberação de gases tóxicos ocorreu em Estocolmo, em 1972, quando pela primeira vez se discutiu um novo modelo de desenvolvimento.
Eu era Senador nesse tempo e fiz o primeiro discurso no Congresso Nacional sobre Meio Ambiente, analisando o que fora discutido em Estocolmo. Já em 1989 eu era Presidente do Brasil e apresentamos o Brasil para sediar a Segunda Conferência do Meio Ambiente, fizemos um acordo para que se realizasse no Rio de Janeiro, o que foi aprovado: em 1992, quando eu já tinha deixado o Governo, ocorreu a Rio-92, também conhecida como Eco-92. A Conferência foi um sucesso, com grande repercussão social, e despertou o mundo. Mas o problema do clima ainda não era a bola da vez.
Assim, estamos agora, com evidência científica, sabendo que, se não enfrentarmos seriamente o aquecimento global até o fim do século, os oceanos crescerão, as cidades das orlas estão ameaçadas de inundação, as chuvas aumentarão, assim como o número de tsunami, de secas e desastres climáticos, e assim começará a destruição da Terra.
Enquanto isso, os países ricos pensam que irão salvar-se, com esses 300 bilhões de dólares e a destruição das geleiras e as inundações.
Que Belém do Pará possa ter êxito e que lá os países ricos tenham ouvidos para ouvir e olhos para ver que precisamos salvar o Planeta. Que o futuro não os acuse de suicidas.
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Lula e o G20
O Presidente Lula marcou um gol olímpico com a realização no Brasil da Cúpula do G2O. Antes da Cúpula, a reunião do G20 Social foi um sucesso, com a extensão dos objetivos do Grupo para enfrentar os problemas sociais e, para isso, conseguiu mesmo que se realizasse um evento paralelo com representantes de líderes de movimentos populares, tendo como foco o problema da fome, produzindo um documento para ser entregue à Troika, formada pelo atual presidente (Brasil, 2024), pelo ex-presidente (Índia, 2023) e pelo futuro presidente (África do Sul, 2025), conforme organização da Governança do Grupo.
Concretizou-se no Brasil a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, com a adesão de 148 membros fundadores: 82 países do Grupo, mais 24 Organizações Internacionais, nove instituições financeiras internacionais e 31 fundações filantrópicas e organizações não-governamentais.
A necessidade de união e cooperação de países com os mesmos interesses e a urgência em enfrentar crises globais fez com que os países adotassem esta fórmula do Grupo. Foi no final dos anos 90, após as crises econômicas mundiais, que se iniciou um fórum multilateral de discussão da economia mundial, entre ministros de Finanças e presidentes de Bancos Centrais. Posteriormente, em 2008, após a grande crise da bolha imobiliária americana, chefes de Estado e de Governo passaram a se reunir para discutir a estabilidade econômica global. Inicialmente G7, com a reunião dos países mais industrializados — Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá –, o grupo recebeu doze países emergentes, totalizando 19, mais a União Europeia como vigésimo membro; depois, com a União Africana, são 21 países, chegando ao formato atual do Grupo dos 20.
A reunião do Rio, no G20 Social, foi importante porque aprovou, de forma inédita, uma decisão que fugiu totalmente às origens do G20, que era debate de economia e finanças, para exigir que o mundo se debruce sobre um problema mundial, o mais terrível deles, a fome.
A inclusão do problema da fome no G20 foi essencialmente iniciativa do Brasil, e pessoalmente do Presidente Lula, que sempre o teve entre as suas pregações e preocupações. Quando eu era Presidente da República, tratei desse problema da fome nas Nações Unidas, em 1985, e denunciei esse crime contra a Humanidade: manter milhões de pessoas em extrema miséria.
Outro ponto positivo da reunião do G20 Social foi lembrar, no excelente discurso de Lula, a tragédia e a crueldade das guerras atuais e dizer que “o mundo está pior”.
Não podemos ignorar que só é possível a mudança da atenção para os problemas sociais, em que 82 países firmam um documento final, graças à globalização e aos avanços que o mundo atravessa com a civilização digital. Esta possibilitou um melhor relacionamento entre os chefes de Estado e de Governo. Recordo que já no meu tempo de Presidente (e estávamos apenas começando), quando tínhamos qualquer problema grave de interesse internacional, pegava o telefone e ligava para Alfonsín, Sanguinetti, Aylwin Azócar (ainda candidato no Chile), Mario Soares, Felipe Gonzales, Pérez de Cuéllar etc. E resolvíamos o problema e estreitávamos relacionamento e ficávamos amigos. Até hoje mantenho amizade com os que estão vivos.
Parabéns ao Presidente Lula que pouco a pouco coloca na agenda mundial a responsabilidade dos países ricos para a solução dos problemas ambientais, do problema da pobreza e da necessária ajuda aos países pobres.
Outro assunto abordado pelo Presidente, para que não fosse esquecido, diz respeito aos organismos internacionais que envelheceram, pois remontam à Segunda Guerra Mundial, como a ONU, o BID, o Banco Mundial e, sobretudo, o Conselho de Segurança, que não tem a presença da América Latina, da Índia, da África do Sul, e à falta do debate entre todos os países do mundo interessados no assunto. Hoje, nada de maior frustação do que as Resoluções das Nações Unidas que não são cumpridas, são apenas peças de intenções.
Estes problemas estão na pauta da política exterior, e o Presidente Lula adotou todos eles como bandeira.
O Brasil, assim, mantém a sua tradição de diplomacia respeitada e de excelente qualidade — desde Rio Branco até hoje, conduzida pelo grande diplomata Mauro Vieira, competente e de grande experiência.
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As baleias das crianças
Quem possui muitos livros e tem o hábito de, à noite, visitá-los, percorrendo as estantes para encontrar determinado título, aprende que os livros são danados para “andar”. É que quem gosta de livro e vai durante a noite atrás de um específico na estante, ao se deparar com outro que atrai sua atenção, coloca este fora da prateleira para no dia seguinte buscá-lo. E começa a fazer isso com tantos que esquece o lugar onde cada um estava. Assim ao encontrar determinado livro fora do seu lugar fica com a impressão de que ele caminhou.
Foi assim que outro dia achei um livro, intitulado “Meu Amigo Presidente Sarney”, e fiquei alegre e curioso. Era um livro que o escritor Virgílio Costa organizou, com uma seleção de cartas endereçadas a mim, cartas ingênuas e belíssimas na pureza de seus sentimentos e pedidos.
A maioria das cartas pedia que eu proibisse a pesca da baleia, no caso a Baleia Jubarte, que chamavam carinhosamente de Jubá, estas que vinham para as águas quentes do Atlântico, na costa do Brasil, para reprodução e aqui eram submetidas a uma pesca predatória, para venda de óleo e carne, para consumo interno e algumas vezes para exportação. Essa exploração vinha desde o século 17 e continuava no século 20. Isso fez com que essas baleias estivessem já relacionadas em “espécies em extinção”. Em nosso País, no Nordeste, os Municípios de Baía da Traição e Rio Tinto, na Paraíba, eram o maior centro dessa pesca. Havia ali uma grande atividade industrial e mesmo de sustentação da economia da cidade, com muitos pescadores e comerciantes envolvidos no negócio. Também se praticava essa pesca em Salvador, na Bahia, e no Sul, no Município de Florianópolis, mas com menor intensidade. Essa exploração da baleia foi tão grande que, em 1987, calculava-se que só existissem 300 indivíduos das Jubartes. As crianças eram quem mais me pedia para proibir essa atividade, embora existissem muitos grupos com a mesma bandeira entre ambientalistas, ONGs e outros setores da sociedade, sempre com a resistência dos interessados na exploração, que alegavam que a pesca das baleias era fonte de empregos e uma atividade econômica, principalmente dos Municípios de Baía da Traição e Rio Tinto.
Eu resisti a todas essas pressões e, motivado pela minha consciência ecológica, proibi essa pesca. Agora pesquisando o assunto descobri que, desde a proibição até agora, o número de Jubartes aumentou de trezentos indivíduos para trinta mil em nossas águas. A espécie está fora da lista das “em extinção”, e hoje as baleias podem vir procriar em nossas costas — agora muito mais empregos foram criados no turismo, com o despertar da curiosidade de ver esse mamífero aquático gigante, que pode chegar a quarenta toneladas, charmoso por suas piruetas e peripécias, com gigantescas aparições. Como já são muitas, é fácil encontrá-las. Hoje o turismo para vê-las é muito grande.
Fecho esse artigo com Ana Cláudia, que hoje deve estar na casa dos 40 anos. Sua carta é bela. Eu me comovi ao reler seu pedido e ver beleza da sua carta. As crianças amam as baleias.
São José dos campos, 24/9/85. Querido presidente, não deixe que matem nossas baleias. Tenho 6 anos e nunca vi uma. Gostaria de ver um dia. Proíba a caça de baleia. Um beijo, Ana Cláudia.
Ana Cláudia, onde você estiver, saiba que ajudou a salvar as Baleias!
MDB vitorioso
No começo da República, o Brasil não teve partido nacional, adotou o modelo de partidos estaduais. A lei que criou o regime de partido nacional foi a de 1945, a chamada Lei Agamenon Magalhães. Então, surgiram o Partido Republicano, de Artur Bernardes; o Partido Socialista, de João Mangabeira; o Partido Libertador, ou melhor, parlamentarista, de Raul Pilla e assim por diante. O regime de 1964 extinguiu os partidos, com o Ato Institucional nº 2.
Bem ou mal, aqueles partidos do regime de 1946 tiveram líderes de peso nacional, como Otávio Mangabeira, Eduardo Gomes, Carlos Lacerda, Afonso Arinos e Virgílio de Melo Franco, Adauto Lúcio Cardoso, Bilac Pinto, na União Democrática Nacional; Tancredo Neves, Juscelino Kubitschek, Amaral Peixoto, Israel Pinheiro, Gustavo Capanema, Ulysses Guimarães, no Partido Social Democrático; Brizola, Pasqualini, Jango, Fernando Ferrari, no Partido Trabalhista Brasileiro; além de muitos outros nomes também muito representativos.
Por mais defeitos que tivessem e críticas que sofressem, esses partidos eram uma forte escola de formação de líderes e pessoas de respeito na sociedade.
Em 1964, o Presidente Castelo Branco, o melhor de todos os presidentes nesse regime, desejava fazer eleições diretas — mesmo que fosse eleito o Juscelino, o provável vencedor. Feitas as eleições estaduais de 1965, pensou-se num sistema de dois partidos, nos quais se abrigariam, de um lado, os governistas e, do outro, a Oposição. Lembro que, para obter o número de parlamentares que o ato institucional pedia, Castelo fez um apelo a Rui Carneiro, grande expressão política do PSD da Paraíba, para filiar-se ao MDB, no que teve sucesso. Formaram-se assim as legendas de Arena e MDB, que se tornaram herdeiras desses grandes nomes tradicionais.
O MDB foi conduzido por idealistas e corajosos dirigentes, como Ulysses Guimarães, que se destacou com forte combatividade, abrindo o partido a nomes de todas as tendências que enfrentaram o regime militar; finalmente, em 1985, com a eleição de Tancredo/Sarney, voltamos ao Estado de Direito.
Assim o MDB é um grande partido histórico. A maior parte dos partidos que foram formados com a abertura democrática saíram do MDB. O nome do PSD, de Vargas, que desaparecera, agora ressurgiu com o Kassab, mas sem os velhos pessedistas do passado.
Todos achavam que o MDB marchava para esse destino depois do fracasso de Ulysses nas eleições de 1989 e sua morte posterior. Realmente o Partido entrou numa fase de declínio.
Agora, nas últimas eleições municipais, o velho MDB mostrou que está vivo, com suas raízes fortes.
Devemos reconhecer que a nova geração pegou a bandeira do Partido, incorporou suas lutas e tradições, e o MDB ressurgiu como o segundo maior partido em governo de prefeituras do País: fez 864 prefeitos, sendo o primeiro em número de eleitores: 27,9 milhões de votantes.
Quero louvar o Presidente Baleia Rossi, que está à frente dessa significativa vitória e tem feito um trabalho notável, super aplaudido por todos. Ele tem buscado a união e a ampliação dos nossos quadros, cultivando a convivência com todos os partidos e posicionando nossos ideais junto ao Governo e à Oposição nas alianças e votações.
Eu quero ressaltar que o MDB é o partido que comandou as lutas que levaram à implantação da democracia e possibilitou, quando eu ocupava a Presidência da República, a Transição Democrática — que, no dia 15 de março do próximo ano, completa 40 anos.
Como Presidente do Honra do Partido, quero proclamar o nosso reconhecimento pelo trabalho vitorioso realizado pelo nosso companheiro Baleia Rossi, como Presidente do Partido.
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Paulo Brossard
Paulo Brossard nasceu em 1924. No dia 23 de outubro ocorreu seu centenário. Esta é uma data que marca o momento de relembrar sua vida gloriosa, pelo que serviu ao Brasil, e homenagear a memória de um dos maiores políticos e oradores de nossa história parlamentar.
Conheci Paulo Brossard em 1975 quando ele chegou ao Senado Federal e eu estava na metade do meu primeiro mandato de senador pelo Maranhão. Vi logo tratar-se de um intelectual. Já fora consagrado no Rio Grande do Sul como professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, afamado advogado, estudioso do direito, e era respeitado como grande jurista.
Durante três mandatos, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, com seu brilho e sua correção, atuando no Partido Libertador — o mesmo de Raul Pilla, que também fora meu colega e que defendia intransigentemente o parlamentarismo —, impusera a todos um grande respeito. Logo foi reconhecido como grande político. Esta era sua vocação maior. Vindo o regime militar de 1964, com a deposição do Jango Goulart, surgiu a oportunidade de Brossard levantar a bandeira da defesa da democracia e da volta do Estado de Direito, ao mesmo tempo em que defendia os perseguidos, cassados e demitidos pelo regime de exceção que se instalara no País.
Filiou-se ao MDB, foi eleito deputado federal e, pelo seu valor e sua expressão política, vice-presidente nacional do Partido. Em 1978 disputou a vice-presidência da República na chapa com o General Euler Bentes Monteiro, que perdeu a eleição para o General João Batista Figueiredo.
Brossard logo se afirmou como grande líder da Oposição, junto a Ulysses Guimarães. Mas não era só isso que o faria entrar para a História do Parlamento: revelou-se como um grande orador, dos maiores que teve o Parlamento brasileiro, ao lado de Rui Barbosa, Gomes de Castro, Joaquim Nabuco, Carlos Lacerda e alguns mais. No Senado eu o ouvi — algumas vezes com ele debati — e pude testemunhar alguns dos seus notáveis discursos.
Tive a felicidade de ser seu amigo e com ele, Luís Vianna Filho, Teotônio Vilela, Gustavo Capanema, fizemos um grupo que toda tarde, após as sessões do Senado, se reunia no Gabinete de Luís Viana para discutir reformas e teorias políticas, os problemas nacionais e literatura. O Senado ainda podia orgulhar-se de ouvir reflexões maiores de homens de todos os partidos e de ideias diferentes. Era o diálogo e a convivência que hoje cobram dos políticos, no combate ao ódio, à intransigência e a radicalizações.
Como Presidente da República, tive a felicidade de nomeá-lo Consultor Geral da República, Ministro da Justiça (lugar que com sua modéstia ainda relutou em aceitar), onde fez excelente trabalho, com a ajuda de sua filha Marta (que herdou do pai qualidades de advogada, inteligência e cultura jurídica) e, finalmente, fazê-lo Ministro do Supremo Tribunal Federal, onde teve uma passagem brilhante, inscrevendo-se na História da Alta Corte como um dos grandes magistrados que ali passaram.
Essa foi sua carreira notável. Mas a característica maior de sua vida foi a do grande defensor da democracia, do lutador pelo Estado de Direito, defensor dos direitos fundamentais do homem, dos valores morais e cívicos, dono de um caráter sem concessões, intransigente em sua conduta pessoal.
Fui seu amigo e até hoje preservo sua memória. Construímos uma amizade pessoal que está incorporada em minha vida. Relembro que, quando voltava a sua terra natal, aposentado por idade do STF, eu o acompanhei ao aeroporto — ele com Dona Lúcia, esposa de grandes virtudes —, entrei no avião, fui até sua cadeira e dei-lhe o abraço de despedida de amigo e grande admirador, amizade que permaneceu com grande afeto até sua morte.
O Rio Grande e o Brasil proclamam no seu centenário que Paulo Brossard foi um exemplo de homem público e um dos maiores políticos, pensadores e juristas do seu tempo.
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Nazareth, 100 anos
Hoje escrevo afastado do monótono cotidiano: me volto para as razões do coração, relembrando minha gratidão eterna a Odylo Costa, filho, que me deu a felicidade de ser o meu melhor amigo — amizade esta que extrapolava para Nazareth, sua mulher, e seus filhos.
Odylo foi o maior jornalista do seu tempo. Ele não se esgotou no que escrevia, mas modernizou o conteúdo e a forma da imprensa, quando editou o Jornal do Brasil e promoveu uma revolução que logo viralizou (para usar uma expressão de hoje), como com Pompeu de Souza, no Diário Carioca.
Odylo não era uma só pessoa, mas duas almas que se completavam: ele e Nazareth. Tanto que em São Luís, capital do Maranhão, sua terra natal, havia uma velha e tradicional rua chamada Rua de Nazareth. A Câmara Municipal mudou esse nome, pois percebeu que algo estava errado, e passou sua denominação para Rua de Nazareth e Odylo. Eram dois, mas apenas um.
Odylo e Nazareth tiveram o último salão cultural do Rio de Janeiro, em Santa Teresa, numa casa que era tranquila como o casal. Um jardim de entrada, uma longa escada sobre o acesso à sala e um quintal de bichos que o casal trazia do Maranhão e do Piauí — Nazareth era de Campo Maior, interior do Piauí —, inclusive uma araponga, que gerou um abaixo-assinado de protesto dos moradores de Santa Teresa, porque esse pássaro tem o canto de uma badalada de sino tão forte que é capaz de acordar qualquer um.
Mas o que eu quero registrar é que Nazareth completaria neste 22 de outubro seu centenário de nascimento, e eu não podia deixar de lembrá-la e homenageá-la nesta data.
A história do casamento de Odylo é a história de um milagre. Ele assistia a um desfile da Escola Normal de Teresina, viu uma bela moça comandando o desfile e disse: “Vou me casar com essa moça.” E saiu à sua procura. Encontrou-a, mas ela recusou a proposta de casamento. Odylo fez versos por seis meses e tanto insistiu que realizou o seu amor e destino. Nazareth deu-lhe nove filhos e uma vida em que a fé, a religião, o amor e a bondade foram o barro da união.
Nazareth logo mostrou suas qualidades: doçura, bondade, temperança, delicadeza, afabilidade e santidade. Isto era sem dúvida o que ela transpirava no seu modo de receber, de tratar as pessoas, de viver. O destino de Nazareth-Odylo lhes reservou uma família de felicidade — uma bela família! —, mas com dois golpes que dilaceraram sua alma: o filho mais velho, Odylinho, brilhante, bonito, de qualidades e personalidade inconfundíveis, foi assassinado por um menor de rua ao defender a namorada, o que marcou sua casa e toda a população do Rio de Janeiro, todos solidários a eles. Odylo perdoou o assassino e dedicou o resto de sua vida a defender os menores abandonados. A bondade dele e de Nazareth era infinita.
Quando, no Maranhão, eu soube da tragédia, tomei o primeiro avião e já encontrei Nazareth e Odylo no cemitério. Ele me abraçou, e, num choro convulsivo, Odylo me disse: “Deus quer, Deus quis, Deus seja louvado.”
Outro fato que marcou sua vida foi que sua filha Maria Aurora nasceu com deficiência e nunca pôde sair de seu berço de sofrimento, mas sempre com um sorriso de doçura e felicidade que comovia a todos nós. Odylo e Nazareth nunca a esconderam: nas recepções e reuniões em sua casa, Maria Aurora sempre estava presente e de tudo participava na sua solidão e dormência. Eu a amava como amei a todos os seus irmãos. Nazareth e Odylo incorporaram também a sua vida a luta pelos deficientes, luta esta herdada por sua filha Teresa — a querida Teresa, que com Pedro Costa são os mais ligados a mim, com um sentimento filial.
Já disse o quanto brilhava a casa de Odylo, por onde passavam todos os grandes intelectuais, nomes indeléveis de nossa cultura: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Afonso Arinos, Peregrino Júnior, Osório Borba, Eneida, Pedro Nava, José Olympio, Zélia e Jorge Amado, Djanira, Carlos Chagas, Rachel de Queiroz, Caio Tácito…
Depois da morte de Odylinho, o talento oculto de Nazareth explodiu numa pintura tão suave, tão lírica, que era a poesia de Odylo em cores e luzes: Nazareth pintava anjos, crianças e bichos com uma beleza e uma mensagem de amor e uma simplicidade do Céu, e logo se tornou uma artista festejada e reconhecida como da família dos grandes pintores. E ela conseguiu que a sua figura de santa, marcada pelo amor e pela bondade, fosse expressa numa linguagem diferente.
Passou a fazer exposições no Brasil e no exterior, bem recepcionada pela crítica, como a de Drummond, que disse: “Entrevistei os anjos: foram unânimes. Indaguei das crianças: confirmaram. Gostamos que Nazareth Costa nos desenhe.”
Seus anjos nos lembram os famosos anjos arcabuzeiros do Potosí, na sua beleza: se estes são ricos, os anjos de Nazareth são pobres — mas são santos.
São 100 anos de Nazareth. Uma das melhores criaturas que Deus colocou em nossa Terra. Em minha casa, ela é Santa de Altar.
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